Imagem retirada da internet |
Eu sempre tive pavor de 2 doenças. Câncer e AIDS, não sei exatamente em que ordem, talvez exatamente o mesmo grau de pavor. Não sei ver uma vida se indo e não sentir pena, não sei ver o sofrimento estampado em alguém e ser otimista, não sei ver sonhos sendo interrompidos e ser "blasè". Não faço tipo "bem resolvida" que entra em qualquer lugar, transborda na face piedade e pela boca palavras bonitas. Talvez porque tantas vezes já tenha estado do outro lado do cenário recebendo tais olhares e tais palavras completamente divergentes e sei como é difícil lidar com isso, como é difícil enxergar no olhar do outro piedade e tristeza e ter que sorrir agradecidamente por suas palavras bonitas e vazias, que são o melhor que podem te dar.
Nunca lidei bem com hospitais, pessoas enfermas, leitos... desde que me formei psicóloga e ainda na faculdade, muitas pessoas me pergutavam porque eu não seguia a psicologia hospitalar ou porque não optava trabalhar com deficientes, quase como se fosse para elas o caminho mais óbvio a ser seguido por mim, dada minha condição física. Ao contrário do que elas pensavam, eu sabia não ter condições psicológicas para atuar em nenhuma dessas áreas, talvez, até porque, de certa forma remetem a todo sofrimento pelo qual já passei.
Voltando ao ponto, no Rio convivi com dois amigos soropositivos e era muito difícil pra mim. Ainda assim, acho que me saí bem, ambos gostavam da minha cia. Eu, no entanto, sempre me sentia pouco, sentia que não agregava em nada, exceto por eles me verem como exemplo mas eu não me via como exemplo pra eles. Não imagino que eu saberia lidar com algo do tipo melhor do que eles. As fisionomias tristes e abatidas sempre me deixavam abalada e maculavam ainda mais a imagem que eu tinha da doença.
Até que, surge ela na minha vida. Linda, cheia de vida, agradecida à Deus e... com câncer! Eu olhava, olhava, olhava e algo não se encaixava, ainda buscava a expressão triste, abatida, a falta de cabelo... mas só via beleza, por dentro e por fora. Só via coragem, não via medo. Não via peso, só via leveza. Nos aproximamos, nos conhecemos, nos tornamos amigas e então passei a ver medo, tristeza, dor como só as pessoas próximas podem ver mas nunca deixei de ver a vida, a beleza, a coragem e a força convivendo lado a lado. Hoje choramos juntas, aprendemos uma com a outra e apoiamos uma a outra. Reconheço parte da minha história na dela da mesma forma que o inverso e por isso nos entendemos e respeitamos nossos limites de forma singular, de uma maneira que não é fácil para quem nunca passou por nada parecido.
Enfim, alguém mudou em mim a forma de olhar para essas doenças e hoje já não olho mais com pena e sim com admiração para essas pessoas que lutam dia a dia por suas vidas. Sei que é possível que tenham uma vida completa apesar do sofrimento, sei que é possível fazê-las felizes apesar da dor, sei que é possível que elas ganhem apesar das perdas. Já não me sinto mais hipócrita ao dizer palavras bonitas a tais pessoas porque hoje elas já não saem mais vazias de conteúdo, acredito em cada palavra de força que digo à minha amiga e a qualquer um desses guerreiros.
Ontem à noite, ao ver uma foto de crianças com câncer num hospital de Brasília, pela primeira vez quis ir até lá, estar lá e de alguma forma poder fazê-los felizes por uma fração de tempo que seja. Me encantei com a história de um menininho que fará aniversário e sonha em ganhar um violão. Fiz de tudo para conseguir o instrumento e consegui mas já haviam conseguido antes de mim. Não fez diferença pra mim, o importante é saber que o menino terá seu sonho realizado. Eu ganhei com essa história a vontade de estar com essas crianças e vou criar uma forma de realizar meu desejo. Eu ganhei com a minha amiga uma nova visão sobre o câncer e um novo olhar sobre as quem convive ele.
Amanhã essa pessoa querida fará uma biópsia para um futuro transplante de medula e, peço à Deus, seja lá o que isso signifique, que corra tudo bem e que ela possa estar ao lado da linda filha dela, do meu lado e de todas as pessoas que a amam ainda por muitos anos.
Amanhã o meniniho completa mais um ano de vida. Desejo que essa data se repita e que a cada ano ele tenha mais e mais motivos para comemorá-la. Que amanhã ele receba seu violão e que a sua música lhe dê forças para lutar e coragem para continuar sonhando e realizando seus sonhos.
Enfim, me despeço hoje desejando apenas que o dia de amanhã seja o melhor pra essas duas pessoinhas, no sentido carinhoso do diminutivo e se assim o for, já o terá sido para mim.
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