sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Recebendo Mary Paiva em "Bullyng"

A Mary é minha amiga de infância, dessas de mais de 20 anos de amizade. Nos perdemos em alguns momentos da vida mas sempre nos reencontramos algum tempo depois e a amizade permanece alí, intacta.
Ao longo de todos esses anos, vivenciei muitos desses períodos difíceis vividos por ela. Ainda criança, não me dava muito bem conta de toda dimensão do problema mas sempre estive ao lado dela a aceitando como ela se apresentava e enxergando talvez um pouco além das outras crianças.
Nos perdemos um pouco em determinado momento e quando a reencontrei já éramos mulheres. E a Mary tinha se transformado numa mulher segura, cheia de opnião e que encarava a vida e seus pepinos de frente, não era mais uma menina acanhada. Me alegrei por vê-la de tal maneira.
Agora, anos depois, pensando há tempos em quem poderia escrever um texto sobre um tema tão delicado pra mim, não tive a menor dúvida, ela! Mais uma vez, se uperando, ela teve a capacidade de falar sobre tudo o que passou de forma clara, sentida sim mas ainda assim, divertida. Parabéns pelo texto e acima de tudo pela superação minha amiga. E muito obrigada por dividir um tanto dessa sua história aqui. 
Apresento à vocês, um pouco da história dessa minha amiga, escrita por ela mesmo para que possamos refletir.


Bullyng


Bem... Quando minha amiga camila me pediu para escrever sobre bullyng, eu não sabia bem por onde começar. Sofri estes abusos que hoje tem nome (mas na minha época  nao tinha e era mais comum culpar as Vitimas de bullyng do que punir os agressores).

Levei uns dias para iniciar o texto que aqui está.

Quando pequena, era bastante franzina, muito delicadinha e extremamente tímida (com quem nao conhecia, pq dentro de casa, meu apelido era "vitrolinha").


Pra vocês terem uma ideia do quão tímida eu era, me lembro bem de um episódio vivido, em um tradicional colégio carioca:


Eu tinha passado do CA para a Primeira série. Com isso, eu havia mudado de professores e pior, de bloco: além de não saber o nome das pessoas, não sabia como circular ali. Minha timidez era tamanha que eu não conseguia iniciar um diálogo, um simples "Oi" saía "pra dentro" (não era por medo das pessoas, era por vergonha mesmo).  Fui para a escola de manhã cedo, conheci a turma (bastante coleguinhas novos), a professora, e o local. Tivemos aulas, passou o recreio e eu, por vergonha, não fui ao banheiro. Não fiz xixi. No tempo seguinte era aula de Artes, num bloco novo (de novo!!!) e eu não sabia o nome e o lugar.... e quase fazendo Xixi nas calças. Pois é. No meio da aula, eu estava no dilema - falo com a professora ou não falo, falo ou não falo - não consegui falar. Fiz xixi em sala de aula, na cadeira, como se ninguém estivesse ali. Este dia foi inesquecível (que merda).


Apesar de ser tímida, acho que eu não era muito de observar. Como uma boa aquariana, minha cabeça era um mundo à parte - e bem divertido - e eu "viajava" nas aulas. Sempre tive dificuldade em "focar", em prestar atenção nas coisas. Até essa época, tinha boa coordenação motora, era boa em Português, mas um fiasco em matemática.


Mesmo com esse nível de timidez, eu mudei um bocado de escola. Meu pai foi transferido para o Nordeste, onde morei por 2 anos. Voltei com um super sotaque para o RIO para a mesma escola tradicional, na mesma turma. Como o ensino nos melhores colégios do Nordeste é mais fraco que aqui no RIo, tive muita dificuldade em acompanhar o ritmo da escola nesse retorno. Pra completar, creio que pelo forte sotaque, eu não tive boa receptividade pela turma que eu estudei desde o CA. Fui encaminhada pelo proprio colegio para uma outra escola, no mesmo bairro, também com bom nível de ensino mas mais fraco que este. OK. Lá vou eu mudar de escola outra vez.


O clima nesse novo colégio era muito diferente do tradicionalismo do anterior. Era tudo mais descontraído.
(Nesse tempo eu tinha dado uma melhorada na minha timidez pois, percebi que daquele jeito não ia chegar a lugar algum (se não consegui ir ao banheiro, imagina! hahaaha)


A turma era muito divertida, fiz amigos com certa facilidade e, como toda escola tinha, fiz alguns "inimigos" também - coloco entre aspas pois na verdade, ninguem queria matar ninguem ali! Tinhamos limites. Era só um povo que enchia o saco. Eu andava mais com os meninos do que com as meninas, eu só tinha 2 amigas e na verdade, o "povo que enchia o saco" eram as meninas patricinhas - hahahhahhahaa ;P
Vez ou outra, rolavam uns "arranca-rabos", me envolvi em algumas brigas e, obviamente, parei na coordenação algumas vezes. Mas era coisa de puxão de cabelo em sala de aula, sabe. Coisa de criança.


3 anos neste colégio, minha mãe decidiu que era hora de voltar ao bom e velho tradicional...... E lá fui eu ..... de novo... pra turma que não me me queria "suas coleguinhas estão todas lá! Vc vai ter sua turma de novo!"


Sempre tive tendência ao desapego, e sempre achei que as coisas boas deveriam prevalecer. Inclusive na minha memoria: jamais deletei coisas dela, mas fazia questão de manter as boas por cima das ruins. Eu tentava encarar as mudanças como um novo recomeço, como uma nova chance, e no maior espírito do "vai ser legal" "que bom"... Esperava o melhor, numa tentativa de "Positive Vibes" para a novidade.


Aí é q efetivamente entramos na questão. 


Nesse vai-e-vem de escolas, eu já tava com uns 12 anos. Mas continuava magérrima, sem o menor corpo, naquela fase que a gente espicha desordenadamente. Era apenas joelho, nariz e orelha. Lá fui eu... para o matadouro. Fiquei numa turma diferente no turno da tarde por que não havia ainda vaga para o turno da manha. Não era a "minha turma", e eles também nao fizeram a MENOR questão que fosse. Fiquei eu sozinha nessa. Ninguem falava comigo, quando eu tentava falar, viravam a cara. Foram uns 2 meses assim, "autista". Daí, numa dinâmica em sala de aula, fomos separados em grupos, e os coleguinhas tinham debater sobre e descrever 1 pessoa no grupo. Todos falavam sobre todos na sala, pela voz dos grupos. Para a minha surpresa, fui classificada como "introspectiva , lúdica e inteligente".


Me lembro que reagi MAL à classificação. Disse que eu não era introspectiva, que ninguém ali me tratava direito ou conversava comigo.
A professora me culpou pela atitude da turma, e foi a primeira vez que eu ouvi que deveria prestar atenção no que EU fazia. Aquilo me deu um novo horizonte. Um horizonte de que o Mea Culpa deve ser colocado em questão, mas entendi também que o mundo não era Justo.


Infelizmente, eu não sei apontar qual foi o CLIQUE na mudança de comportamento daí pra frente desta turma. Lembro que tentei me chegar aos meninos, que eu sempre fui mais ligada mesmo: 1º aos nerds que não fediam nem cheiravam, e depois aos bagunceiros - mas o nivel de maldade e brincadeira destes era Too much pra mim. Sempre fui da bagunça, mas nunca faltei com respeito aos professores ou atrapalhava a aula deliberadamente. Também nunca me juntei com ninguem pra sacanear e humilhar outra pessoa sozinha (eles faziam com os nerds). As meninas me odiavam, diziam que eu era ridicula, feia, magricela. Que elas tinham peito, corpo, e eu não, que eu era lisa - coisa de pré-aborrescente chato pra cacete. E eu engolia tudo. Afinal, mentindo elas nao estavam. E, elas eram bem bonitinhas, se olhar as fotos de turma, eram sim. Patricinhas, princesinhas. Eu NUNCA tive esse perfil e nessa época do meu desenvolvimento corporal, eu era mesmo o "ó".


Só sei que a partir desse ponto, eu passei a ser perseguida pela turma toda. Os meninos me humilhavam em sala de aula, me tiravam da cadeira (eu era levinha) roubavam minhas canetas, grudavam meleca nas minhas provas. As meninas me sacaneavam até dizer chega, pois eu não era tão desenvolvida e bela como elas..  Os meninos entraram nessa "todos contra Mary" - afinal os hormônios estavam à toda, e eu é que não ia pegar mesmo ninguém ali.
Da agressão verbal - que eu aguentava BEM e calada (mas chorava todos os dias em casa), passaram para a agressão física.


Todos os dias alguem me chutava, me chamava pra porrada, puxava meu cabelo, sumia com minhas coisas, me carregava por cima dos outros. É a merda de ser levinha.
Aguentei bravamente, por meses, chegando roxa em casa todos os dias, machucada, chorando. À essa altura, minha mãe já nao tinha mais o que fazer se nao viver na coordenação de SOE e SOP da escola, implorando que eu fosse remanejada de turma pois a situação estava insustentável. Como os outros da turma eram filhos de globais e gente "da sociedade", a errada tinha de ser eu - a vítima - pois a escola nao podia fazer nada.  As turmas estavam cheias, o meio do ano nao chegava nunca e eu não conseguia trocar para outro turno.


Bem. Se ninguem conseguia fazer algo por mim, decidi fazer eu mesma.
Era "bater ou morrer". Passei a cair na porrada, com muita criatividade e violência, para sobreviver em sala de aula, aos recreios e saídas da escola.
Batia muito. Todo dia tinha alguem kerendo me matar. Que viessem todos, eu tinha virado o "Rambo", cega de raiva. (podem rir, pq eu era um graveto).


Aí....................... Eu, que enquanto vítima era CULPADA, virei Culpada MESMO.  "Desajustada, violenta, má elemento" - era essa a minha classificação no SOE. Minha mãe fez uma carta gigantesca para os donos do colégio, reclamando da "psicopedagoga"da escola, por ter deixado chegar à esse nivel tendo sido sinalizada Inumeras vezes (por ela, por mim, pelos professores, inspetores - todo o mundo via aquilo!!!).
A "psicopedagoga" foi obviamente despedida. Me recolocaram rapidinho em outra turma, no turno da manha (eu acho) - que também me odiava - hahaha - mas agora tinham motivo, afinal era uma laranja podre na cesta deles.


Notas? Provas? o que era isso??  eu nem sei.
Pra completar, ao longo deste mesmo ano, meus pais se separaram num divorcio litigioso, onde meu pai simplesmente saiu das nossas vidas como se solteiro fosse, jamais pagou pensão para os filhos (4 filhos), e minha mãe tentou retornar ao mercado de trabalho, estando fora por 18 anos. Necessidade? Problemas? Não... eu tinha poucos pra idade. Obviamente, perdi o ano. Repeti a 6ª serie. Meu bloqueio em matemática era quase total, minha média geral anual foi 0.5 ou 0.8 se não me engano.


* * *


REPETENTE. eu tinha me tornado uma repetente.
Mudança? Mais uma, menos uma.... Here i go. Nada podia ser pior do que aquele ano.
E nao foi mesmo. Foi ótimo. Ainda no mesmo colégio, entrei numa turma mais maleável, peguei uma otima professora de matematica - entrei com reforço em casa desde o começo do ano e so tirei notas boas. Eu refiz o ano, como se nunca tivesse visto as materias..... incrivel isso, mesmo as que eu nao ia mal, como biologia (adorava).


A vida seguiu.
Eu quase repeti novamente a 8ª série, nao conseguia mesmo acompanhar o ritmo das aulas e, em paralelo, voltei a ter problemas com a turma: 98% deles, jovens sustentados pelos pais e movidos pelo prazer, tinha se tornado usuário de maconha. E eu sempre fui careta, não aceitava aquilo. Minha praia era cigarro comum (comecei a fumar aos 13) e ponto final.


* * *


As trevas ficaram na memoria, mas os aprendizados tentei levar pra vida toda.
Só com uns 28, fui procurar psicólogo. Fiz terapia por 3 anos e pretendo voltar assim que puder. Através deste processo é que consegui reparar mais em mim, descobrir coisas a meu respeito, me entender melhor e sedimentar melhor os conceitos que gosto dos que realmente não gosto (tipo, atitudes - minhas ou nao - que aprovo ou desaprovo), para então passar efetivamente a ME POSICIONAR diante das situações. Eu fazia, mas metendo um pouco os pés pelas mãos.
Aprendi que parar minha cabeça aquariana é impossível. Isso aqui é uma máquina de pensar besteiras, inventar moda. Às vezes me sinto com  um computador dentro dela, onde existem mil janelas abertas, cada uma rodando aplicativos e programas diferentes.

Meu lado lúdico é meu melhor amigo, é através dele que faço limonadas e caipirinhas dos limões que a vida insiste em me oferecer.


Me tornei uma pessoa muito independente (às vezes isso é bom, às vezes não), e resiliente. Como diria capitão Nascimento, "sou caveira" pra cacete.
Desenvolvi um senso critico terrível, para comigo mesma e com o mundo.


Tento manter o bom-senso; um bom 'senso de justiça'; ajudar quem está precisando, da forma que eu puder.
Procuro valorizar quem deve ser valorizado e por uma condição diferente (seja esta qual for) não é.
Trato de igual forma todos com quem trabalho, da mulher do café ao presidente da empresa. Acho que isso é um mínimo de educação e respeito ao próximo.


Procuro manter uma visão realista das coisas, tentando não colocar minhas emoções na hora de avaliar e analisar situações e riscos.


Gosto de entrar nos cenários da vida (pessoais e profissionais) pra agregar valor às coisas, às relações, e jamais pra sugar.
Sou muito dedicada e leal - coisa que às vezes confundem com "idiota"...


Infelizmente, minha tendência ao desapego não se manteve, hoje em dia eu calculo bastante meus passos, fiquei um pouco medrosa - essa parte eu lamento muito (e isso me incomoda, engraçado ne? rs).


Aprendi que as coisas acontecem mesmo no tempo delas, e não quando a gente quer. Paciência e tentar segurar a ansiedade são peças fundamentais nesse jogo. Não tenho religião certa (acredito em muitas coisas e também critico muitas coisas). Por vezes meu refúgio foi e sempre será a musica: Rock n roll e Metal "eclético" (como costumo definir) são meus companheiros desde que nasci. Com 4 guitarristas na familia (incluindo minha mãe) fui criada em ensaios e "bagunça rock n roll" - um mundo completamente diferente de qualquer um que tenha estudado comigo (e em qualquer colégio, ne! ;] )


Aos 16, comecei a trabalhar porque achava que deveria ajudar em casa, mudei de área de trabalho a doidado, o que me deu uma boa visão do todo, em termos de   estrutura corporativa. Me formei em jornalismo, fui casada duas vezes, tenho duas gatinhas que são minhas filhas. Atualmente trabalho na área de marketing interno e eventos internos, fazendo parte do lado estratégico do RH.

2 comentários:

  1. Olá Cami. Adorei o Post da sua amiga Mary...Se fosse nos dias de hoje, ela ganharia vários processos...kkk. É a vida, a essência das nossas causas, nossas lembranças.

    Bjk Poética,
    Sulla

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  2. Gostei muito da história de sua amiga, Camila.
    Bom saber que ela tem resiliência e força, para superar e conseguir viver a vida bem.
    Ela venceu uma batalha que muitas pessoas que sofreram bullyng não conseguiram.
    Esse depoimento dela precisa ser conhecido e divulgado o máximo possível.
    Abraços
    Mari

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